Vítimas têm dados sigilosos violados e usados em empréstimos não solicitados

Contratos de 84 parcelas e juros fora da realidade são gerados sem conhecimento de idosos

Matheus Augusto

Imagine acordar com R$ 12 mil a mais em sua conta bancária. O que pode parecer um golpe de sorte, porém, trata-se apenas de um golpe. Mais de dez idosos descobriram empréstimos contratados em seus nomes sem autorização. O advogado Eduardo Augusto Silva Teixeira já contabiliza 13 casos como esse. Em determinado dia, valores não solicitados são depositados na conta dos aposentados ou pensionistas ‒ em casos mais graves, o crédito supostamente contratado não é nem depositado. As vítimas, em sua maioria idosos, veem seus nomes e dados sigilosos violados e usados em empréstimos que nunca negociaram ou autorizaram. 

Golpe

O advogado questiona como os responsáveis por elaborar os empréstimos tiveram acesso aos dados pessoais e bancários das vítimas, além de informações sigilosas do INSS. Outra pergunta sem resposta até o momento é como foram inseridos no benefício previdenciário os contratos sem as permissões das vítimas. Ele explica que os envolvidos na fraude invadem o “Meu INSS” da vítima e alteram dados como e-mail e senha para outros, de terceiros, aos quais possuem acesso.

Segundo Eduardo, como os clientes não desejaram ou contrataram empréstimo, trata-se de ato nulo e inexistente. Conforme destaca o advogado, todos os consumidores têm o direito básico de não contratar um serviço. Ou seja, o empréstimo, como é o caso, não pode ser imposto ao cidadão ‒ especialmente como o relatado pelas vítimas, no qual eles sequer tiveram acesso às informações e cláusulas contratuais ou assinaram os documentos. O advogado explica que alguns, inclusive, foram fraudados, fazendo uso de contratos antigos.

— Em todos os casos, ninguém pediu empréstimo. Ninguém sentou e negociou um contrato, com os detalhes das prestações — detalha.

Com isso, mesmo quem fez o uso do dinheiro não deve ser penalizado.

— A base do Código do Consumidor é o direito à informação, em tudo. Mesmo que tenha usado o dinheiro, o cidadão tem o direito de rescindir esse contrato porque não foi feito nos caminhos da lei, mas gerado à margem da lei, com má-fé — argumenta.

Diante disso, Teixeira entende que os valores depositados podem ser entendidos como amostra grátis, visto que os consumidores não solicitaram o empréstimo. 

— Neste caso, o juiz deve condenar os bancos a pagar indenização por danos morais — defende. 

Além dos dados utilizados para a elaboração dos contratos representarem a violação de informações pessoais e sigilosas protegidas pela Constituição, explica o profissional do direito, os contratos apresentados são abusivos e geram o enriquecimento ilícito das empresas beneficiadas. Carregados de taxas e juros considerados exorbitantes, o advogado cita que os valores ferem a teoria do crédito responsável, em que instituições financeiras devem adotar cautelas que garantam o pagamento do empréstimo, ou seja, devem oferecer valores condizentes com a realidade do consumidor e não contribuir para o seu endividamento. Diante disso, o cliente é colocado numa situação de desvantagem, que representa ameaça à sua dignidade humana por comprometer sua vida financeira.

Casos

O advogado apresentou à reportagem 13 casos. Com exceção de uma mulher, de 38 anos, todas as demais vítimas tinham mais de 57. Em dos relatos, por exemplo, uma mulher, de 57 anos, pensionista do INSS, teve seu “Meu INSS” invadido. Os dados coletados foram utilizados para gerar seis empréstimos não solicitados em seu nome, desde janeiro de 2018 até junho deste ano. No mais recente, foi depositado o valor de R$ 6,1 mil em sua conta, a ser pago em 84 parcelas de R$ 150,62, ou seja, apenas nesse contrato, ela teria que pagar, ao longo dos anos, R$ 12,6 mil.

Outra mulher, de 66 anos, também viu seu benefício previdenciário envolvido em seis empréstimos, desde agosto de 2018 até junho deste ano. Em um deles, no valor de R$ 6,5 mil, o valor nem sequer foi depositado em sua conta.

Em situação similar, uma idosa, de 61 anos, teve seu nome envolvido em dois empréstimos em menos de 40 dias com valores que, somados, chegam a mais de R$ 23 mil. Para pagar os dois contratos, em 84 parcelas, ela teria que desembolsar R$ 48 mil.

Todos os demais casos são semelhantes, apenas apresentando a variação do crédito supostamente contratado.

Denúncia

O trâmite de geração dos contratos, conduzidos "à margem da lei”, como define o advogado, pode ser enquadrado como uso indevido de dados, estelionato, apropriação indébita e outros. Diante disso, o advogado encaminhará os relatos das vítimas à Associação dos Vulneráveis de Minas Gerais. A entidade apresentará, então, uma Notícia de Fato ao Ministério Público estadual para investigação, identificação e responsabilização, na esfera civil e criminal, dos responsáveis pela geração dos contratos de empréstimos não autorizados.

Orientação

O advogado alerta que, ao se deparar com um situação similar às descritas, é fundamental registrar o Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), antigo Boletim de Ocorrência (BO), com o objetivo de “se preservar pelo uso indevido de dados pessoais e para que as autoridades tenham conhecimento da crescente criminalidade nesse tipo de crime”.

Em seguida, deve ser registrada denúncia no Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG), para que o órgão atue “contra esses bancos e financeiras para punir desde multa até mesmo suspensão das atividades da empresa financeira e para buscar os responsáveis”.

Ainda é recomendado recorrer a um advogado para o ajuizamento de ação judicial para declarar nulo o contrato de empréstimo, cancelar os descontos das parcelas no benefício e solicitar a reparação por danos morais e materiais.

Por fim, deve-se buscar o bloqueio do benefício para novos empréstimos por meio do “Meu INSS”. O valor depositado não deve ser utilizado.

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