Tudo muito igual

Rodrigo Dias

 

Cabral, um cara trabalhador, acordava cedo. Não tinha medo do batente. Trabalhava de segunda a sexta em busca do pão de cada dia. Entendia fazer a sua parte, não reclamava: trabalhava.

Cabral tinha um sonho: conhecer o mar, o Rio de Janeiro. Juntava seus trocados. Fruto de seu trabalho e de uns trocos mal dados que não devolvia. Todo dinheiro que caía era importante e uns centavos a mais não fariam falta pra ninguém, concluía.

Era assim no mercado, na sapataria e padaria. De centavo em centavo enchia o papo e dinheiro que ninguém sente falta é dinheiro dado e não roubado. Tinha, ele, essa convicção.

Tudo ia pro banco, fazia poupança. Uma vez por mês ia lá conferir o extrato. O dinheirinho tava lá, mas era tanta taxa – que ele mal compreendia a cobrança – que o dinheiro pouco crescia. Puto! Achava que estava sendo roubado, mas como era em centavos não enchia o saco de ninguém.

Assistindo ao telejornal, Cabral reclamava. O governo criara mais um imposto. Sem a sua permissão, tirava dinheiro do seu bolso para pagar uma conta que ele não fez.

Dizia:

- Político é tudo igual. Só fazem mal ao povo. Não nos prestam socorro, pensam só no próprio bolso.

É claro que não é regra geral, mas Cabral tinha lá sua razão, são muitos os desmandos e jeitinhos. Muita corrupção. Brasília, esbraveja Cabral, é terra de ladrão.

Ficava indignado com projetos superfaturados, com os milhões roubados. Na praça juntava os amigos e fazia pirraça. Enchia o peito e dizia: político tinha que trabalhar de graça. Já tinha discurso, fazia seu palanque.

Certo dia, Cabral passou mal. Sem plano de saúde, precisava de uma vaga em hospital. Não aguentando a dor, ligou para um amigo que tinha outro amigo que era vereador. Cabral conseguiu a vaga, melhorou da dor, mas ficou devendo mais esse favor.

Não é enredo, mas desde a época de Dom Pedro que o Brasil não toma jeito. O público torna-se privado. Criam-se subterfúgios, perpetuam-se corruptos. Fica tudo revirado.

Cabral, enfim, conheceu o mar, foi pro Rio. Ficou estupefato, mas também teve arrepio quando foi novamente roubado no taxi e no sinal. Foram centavos, então, não faz mal.

Mudando política muda-se o brasileiro? Ou para melhorar a política há de se mudar o brasileiro?

Cabral não entendia.

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