Termina o mês do folclore

Augusto Fidelis

 

Atché!!! Credo em cruz três vezes! Êta gripe danada, meu Deus! Também, com essa poluição toda. Leca... ô Leca! Ah! Está brincando na terra, já sujou a roupa, agora sobra para a escrava. Larga isso aí, menina, vá à casa da comadre Cenira e diga a ela que me mande um punhado de folha de alfavaca, para eu fazer uma gemada. Hoje é meu dia de reinar na festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito e, se eu continuar assim, não vou ter ânimo para servir o almoço. Candeia que vai adiante é que alumia, Leca, vá lá agora, custosa!

Minha mãe sempre dizia que “casá num presta não. Eu quis experimentá e dei com a cara no chão”. Não sei como eu ainda tenho disposição para cantar, com este corpo ruim, esta voz rouca mais parecida com a de uma cadela engasgada. Aprendi com a minha mãe. Quando ela estava triste, aí é que ela cantava mesmo, como uma cigarra. Acho que herdei o destino dela. Meu pai não levava as coisas muito a sério e deixava toda a responsabilidade nas costas da mulher. O Celinho faz o mesmo comigo.

Tem coco de coqueiro, e tem coco de viola. Um tem água na cabeça, e o outro, verso na cachola. O bom lenhador sabe em que mato lenha, mas a gente, quando é jovem, não pensa bem as coisas. Eu poderia estar solteira, feliz, sem tanto drama. Mas é aquele negócio: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza, e como me lambuzei! Coração dos outros é terra que ninguém vai! Eu, por exemplo, invejo a comadre Cenira. Ela está casada há 50 anos e ainda hoje o compadre Ricardo abre a porta do carro para ela. É o maior dengo, gente. Precisa ver!

Tirando a causa, cessa o efeito. Porém, no momento, não tenho muita escolha na vida.  O Celinho não deixa faltar nada em casa, mas está cada vez mais frio e distante. Sabe de uma coisa? Logo mais vou dar uma corrida até a casa da dona Maria Miúda. Eu já vi aquela mulher ali da esquina rezando nas minhas costas. Tudo isso só pode ser mau olhado, inveja, porque as pessoas só veem a cachaça que a gente bebe. Os tombos, não.

Agora a Leca foi e ficou. Deve estar pegando fogo com a molecada que fica na porta da comadre Cenira. A Leca é uma menina boa, mas a gente tem de ficar de ferrão em cima.  Os trabalhos de escola sobre folclore estão ali, por fazer. A biblioteca pública funciona até mais tarde, então o Celinho podia ao menos ajudar a Leca nas pesquisas, mas não se incomoda. No entanto, todas as vezes que me pega falando sozinha, ele diz que estou ficando doida. Vagabundo!

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