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Manual do progressismo festivo divinopolitano em 10 lições rápidas
Márcio Almeida
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Manual do progressismo festivo divinopolitano em 10 lições rápidas
- FIQUEMOS NAS REDES SOCIAIS. A militância presencial – com idas às ruas, faixas e palavras de ordem – é para os que querem voto e apoio político. Nós, com raras exceções, ficamos em casa porque só queremos likes.
- PERMANEÇAMOS HIPERIDENTITÁRIOS. Traz pouco engajamento virtual propor que pobres, negros, mulheres e membros do segmento LGBTQUIA+, sendo igualmente excluídos, se juntem em torno de pautas inclusivas comuns. Isso funciona apenas para quem articula candidaturas. Nós só articulamos ideias.
- FALEMOS NOSSA PRÓPRIA LÍNGUA. Levemos às ruas o jargão dos diretórios partidários e dos simpósios acadêmicos. Quem precisa falar a língua do povo sem mestrado e doutorado são os outros. Nós, progressistas, só pregamos para pós-graduados.
- TENHAMOS PAIXÃO PELAS SIGLAS. Frentes suprapartidárias, com sua ênfase em resultados, não combinam com as múltiplas bandeiras das nossas exclusivistas campanhas eleitorais. Entre nós é cada um por si, ainda que a vitória fique longe de todos.
- LIMITEMOS NOSSO REPERTÓRIO. Para que nosso discurso viralize, aceitemos os limites de debate ditados por nossos interlocutores e nos contentemos com a discussão de temas de identidades e costumes. Nada de discutir a execução de macropolíticas econômicas e sociais, a solidez das instituições democráticas ou a qualidade dos serviços públicos. Isso, obviamente, não gera memes.
- NÃO GASTEMOS TEMPO COM TRABALHO SOCIAL. Ele pode ser melhor empregado em rodas de debate em que nos sentamos para apontar nossa superioridade intelectual e política sobre os que tentam matar a fome local e assim caem no reformismo que tanto abominamos.
- SEJAMOS EXCLUSIVISTAS. Se somos religiosos, vivamos a experiência da fé como se a política fosse incompatível com a espiritualidade. Se não cultivamos a religiosidade, rotulemos previamente os religiosos como fundamentalistas que atribuem todos os problemas do país ao sobrenatural.
- NÃO DESÇAMOS DO MURO. Vamos nos mostrar indignados, mas não muito, corajosos, mas nem tanto. Afinal, a melhor visão da festa é a que se tem de cima do muro. Além do mais, convicções profundas não combinam com o nosso clima festivo.
- ESQUEÇAMOS O QUE É LOCAL. Limitemos nossa atenção à política nacional, que não nos traz a incômoda necessidade de falar sobre ruas esburacadas ou dificuldades de atendimento nas unidades de saúde. A discussão da injustiça social só compensa quando circula em rede nacional.
- CONTINUEMOS NO "TUDO OU NADA". Só aceitemos falar de revolucionárias mudanças estruturais, sem misturar à nossa fala propostas de curto ou médio prazo ou alianças em temas específicos. Essas são estratégias para espíritos práticos. Nós, progressistas festivos, somos criaturas essencialmente utópicas.
Márcio Almeida é professor, advogado e jornalista