Reflexões sobre sustentabilidade

Pedro Coelho Amaral

Quando criança, minha casa era o quintal. Com uma latinha e uma pequena pá, retirava terra de um lugar e colocava em outro, procurando consertar os buracos do meu campo de futebol. Nunca seria um campo perfeito; a caída do terreno fazia com que o vencedor do par ou ímpar, antes de escolher o time ou a bola, optasse por atacar rumo à descida; às vezes nem precisava chutar a bola, que entrava sozinha. Dentro das possibilidades de uma criança, transformei aquele lugar no melhor campo possível.

Meu pai mexia na horta e arrumava o galinheiro. Naquela época, a vizinhança ainda tolerava o canto do galo de madrugada. No quintal a moela fazia a compostagem. (Agora, ter galinheiro na cidade é proibido; joga-se o resto de comida no cesto.)

Brinquedos feitos de matéria viva. Boizinho de limão e graveto, bodoque de forquilha de madeira. Declarar guerra contra o inimigo era algo sério e vencia aquele com maior estoque de mamona.

Às vezes, a mãe chamava do portão. Interrompíamos o rouba-bandeira com a turma da vizinhança. A rua, que não era só dos carros, abria espaço para um punhado de vacas passar rumo ao matadouro. Ficava com dó, mas ainda dá água na boca de lembrar como um bife valia muito na infância.

Atualmente trabalho com advocacia ambiental, e a lida do meu dia a dia e daqueles que convivo na labuta é muito parecida com o desafio daquele campo de futebol do quintal da minha infância.  Tirar terra de um lugar para pôr em outro.

Nós humanos somos dotados do dom e da carência da criação. Somos criativos por natureza, pois as forças que a regem também são assim. Pegue o barro e faça!

Ontem, com minha família, esposa e filha, vendo um filme, baseado em fatos reais, que conta um pouco da vida de William Kamkwamba, chamado “O Menino que descobriu o Vento” vieram-me algumas reflexões e indagações que gostaria de compartilhar. Não irei enredar o filme, termo usado hoje como “dá spoiler”, mas irei relatar algumas situações que vivencio como advogado ambiental:

Um homem do campo, aparência de 75, mas devia ter uns 60 anos, pois o sol castiga e o corpo curva. Na mão arqueada, moldada pelo cabo da enxada, a quantia de um ano de trabalho, transformada em multa ambiental por cortar árvores protegidas por lei. Estas árvores que coziam o arroz, o angu e o feijão. Antigamente todos queriam plantar ipês. O ipê crescia e ele era seu. Você podia cortá-lo e fazer um berço para o filho que vinha, ou um caixão para o pai que ia. Hoje ele é “protegido” por lei e ninguém quer ter, basta a lei.

Um pai de família, dois filhos pequenos para cuidar, seu ofício é tirar areia da natureza e vender para construir nossas casas. Aguarda há 5 anos o pronunciamento do poder público que deveria ter acontecido em seis meses. Necessidades básicas não aguardam na fila e ele teve que trabalhar.  Pela falta da licença, dormiu em uma cela com mais 27 presos, onde teve que ser apresentado como traficante, pois querer trabalhar é vergonhoso.

Ser patrão é pecaminoso, o lucro se veste com o manto do diabo, e alguns catedráticos, com o pão garantido, mal sabem que o trigo que comem é fruto do pecado.   

A muralha da lei é a lógica, dizia Gonzáles Pecotche. A sonhada sustentabilidade virá como a roda. Uma equação de destruição criativa, assim caminha não só a humanidade, e sim, todo o universo.   

Advogado e Membro da Comissão de Direito Ambiental da 48ª Subseção da OAB/MG – email: [email protected]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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