Racismo acadêmico*

Domingos Sávio Calixto

É mais provável que nossos progenitores tenham vivido no continente africano do que em outro lugar.” A frase, datada de 1871, é de Charles Darwin e vem se mostrando irrefutável até hoje, ou seja, há que se admitir que o ser humano legítimo, puro, é africano e claro que isso sempre pareceu inadmissível para o pensamento eurocentrista. 

Contra essa verdade, e por mais ridículo que possa parecer, em 1912 um inglês (sempre eles) chamado Charles Dawson juntou a mandíbula de um orangotango com um crânio humano e, mediante tinturas de envelhecimento, fez noticiar ter encontrado a espécie ancestral humana na Europa (uma verdadeira “grilagem” arqueológica).

Essa mistura de estupidez com pantomima enganou muita gente durante 40 anos, tanto mais pela não aceitação da ancestralidade africana na experiência existencial do ser humano. Ainda que pura enganação, a “descoberta” de Dawson foi uma amostra do que a Europa seria capaz para não aceitar a “humilhação” africana, de tal sorte que a figura simbólica do “homo sapiens” deveria a tão somente ela pertencer, custando o que custasse.

No amplo acervo de técnicas de apoderamento do “homo sapiens” e de branqueamento da origem humana em berços europeus, salienta-se a ensinagem da supremacia branca no viés histórico-filosófico, o qual patrocinou com galhardia hipócrita as bases do pensamento ocidental e, sob este aspecto, a exemplação do racismo acadêmico é bastante ampla, conforme a ajuda do professor Munanga (*):

Voltaire, falando de anomalias, dizia que a estrutura das raças é distinta não apenas na aparência externa, mas também interna, já que a rede mucosa de um negro é… negra! Falava também em “raça bastarda” ao se referir aos mulatos.

Kant, tão decantado, dizia que “os negros da África não possuem nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo”. Também dizia não ter conhecimento de nenhum negro – dentre milhões deportados – que apresentasse qualquer “algo grandioso” na arte ou ciência. Também mencionava a aptidão dos negros – em sua capacidade mental – para fazerem de plumas, chifres ou conchas algo como objeto de adoração, talvez algo ligado à capacidade mental dos negros em lidar com as diferentes cores (?).

Hegel, não menos decantado, dizia que custaria muito até que os europeus pudessem incutir (neles) alguma dignidade própria, já que são seres inferiores inclusive em estatura. Também dizia que o negro é a representatividade do homem natural, selvagem e indomável, sendo comum aos negros comerem carne humana.

Augusto Comte, aquele da frase “ordem e progresso”, falava de uma civilização “preponderante”, na qual a raça branca demonstrava sua superioridade, sobretudo quanto ao seu aparelho cerebral.

Tocqueville, contemporâneo de Comte, dizia que o homem “por excelência” era o europeu branco, já que as raças infelizes – negro e índio – ocupam uma posição inferior, com suas aparências horríveis e pouco faltando para que ocupem uma posição intermediária “entre o animal e o homem”.

Max Weber dizia que a aparência dos “negros puros”, esteticamente falando, é estranha e constitui um fator de aversão e desqualificação (...).

Enfim, essa é uma pequena parte da seleta “nata intelectual” que alimenta as salas acadêmicas do ocidente. Talvez seja extremamente difícil não recrutar um grande autor moderno – ocidental branco – que não tenha demonstrado algum vínculo com pensamento racista, exatamente porque o racismo é fruto da modernidade como técnica científica de manutenção da colonização.

Nestes tempos sombrios em que a violência do Estado (moderno) – contra negros – vem gerando protestos e causando derrubada de estátuas de personagens considerados racistas, talvez os tais monumentos não estejam em praças ou parques, mas incutidos em nossas mentes. Isso é difícil de derrubar.

(*) Dedicado ao professor Kabengele Munanga, por sua obra “Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil”.

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