O valor jurídico do afeto

Após a chegada do divórcio direto, o casamento deixou de ser “para sempre” e as pessoas passaram a ter mais liberdade para sair de um relacionamento e entrar em outro. O casamento deixou de ser pré-requisito para se formar uma família. Surgiram outros formatos, todos reconhecidos pela legislação vigente. Como exemplo, podemos citar as uniões entre duas pessoas divorciadas que levam consigo seus filhos (família recomposta), assim como as uniões homoafetivas e a família constituída por um dos pais e seus filhos.

Acompanhando as mudanças sociais, a Constituição Federal também conferiu tutela jurídica ao afeto: sentimento que leva as pessoas a assumirem publicamente seus relacionamentos, que resistem ao tempo e se mantêm de forma contínua e duradoura, através das famílias contemporâneas.

A afetividade ganha espaço através da convivência, trazendo, paralelamente, consequências jurídicas tanto na relação entre os novos pares quanto destes com os filhos do outro. Estes novos vínculos parentais foram abraçados pelo direito através do princípio da afetividade. Surgiu então a parentalidade socioafetiva e a chamada filiação socioafetiva, permitindo que a ideia de família ultrapasse os vínculos sanguíneos e jurídicos.

E o afeto tornou-se um dever jurídico. Não só pais têm a obrigação de cuidar, proteger, educar, conviver com sua prole. Quem convive com filhos alheios assume as mesmas funções. A biologia passou a ser vista como uma verdade científica que não traduz a gama de sentimentos e relações que realmente formam a família. O fator que agora impera é a presença do vínculo de afeto. Segundo a professora Maria Berenice Dias, “quem dá amor, zela, atende às necessidades, assegura ambiente saudável, independentemente da presença de vínculo biológico, atende o preceito constitucional de assegurar a crianças e adolescentes a convivência familiar”.

Até mesmo o próprio DNA foi vencido pelo afeto. A verdade biológica perdeu espaço para a afetividade. Já existe jurisprudência consolidada, apesar de muito discutida, afirmando que o vínculo afetivo prevalece sobre o biológico. Em outras palavras, a paternidade, nos dias de hoje, é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não biológica.

Como exemplo de parentalidade afetiva, podemos citar a adoção, que constitui uma livre opção em formar uma família através da escolha, para comunhão de uma vida, ideais e amor. E o fator biológico é absolutamente dispensável, inútil.

Hoje, o padrasto pode adotar o enteado através da adoção unilateral, reconhecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso nada mais é do que a verdadeira filiação socioafetiva, possibilitando, inclusive, o acréscimo do sobrenome do padrasto no registro de nascimento do enteado.

Se até pouco tempo atrás certos filhos eram chamados de “bastardos” e “ilegítimos”, podemos dizer que nossa legislação caminhou bem, vencendo a discriminação e o preconceito.

Fernanda A. Cardoso e Oliveira – Advogada e vice- presidente da Comissão de Direito das Famílias da 48ª Subseção da OAB/MG – E-mail: [email protected]

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