O demônio comunista e o senso comum*

O demônio comunista e o senso comum*

Afinal, o que diabos é isto: “comunista”?

Boa parte das pessoas que se utiliza deste termo para atribuí-lo a alguém desconhece seu significado, e outra parte tem ciência dele, mas o distorce e se utiliza da palavra com objetivos efetivamente ofensivos e incriminadores do oponente.

Ora, não é objetivo deste texto explicar o comunismo e sua complexidade – vide autores como Trotsky, Gramsci ou Lukács – até porque quem se dá a esta tarefa também acaba sendo taxado de comunista.

 A breve questão é como o termo extrapolou o ambiente da teoria da linguagem – envolvendo retórica e argumentação – para transitar livremente no senso comum, de tal sorte que chamar alguém de comunista é uma falácia, uma técnica conhecida como argumentum ad hominem e caracteriza-se pela tentativa de diminuir e desacreditar um interlocutor.

Questão semelhante envolve o termo capitalista – tão agraciado de honrarias pelos seus defensores – e também com seu significado pouco conhecido nas vielas do senso comum, mas ao contrário do termo comunista, chamar alguém de capitalista não significa (ainda) uma agressão ad hominem.

Seguramente, a depreciação mais vil do termo se consolidou com a torpe fixação (?) que “comunista come criancinha”...

Na realidade, essa ideia é correlata a fatos da revolução russa de 1917 quando, nos idos de 1921 e 1922, uma fome brutal atingiu cerca de 30 milhões de pessoas. Decorrente disto se registraram casos de canibalismo em extrema necessidade em algumas regiões, envolvendo cadáveres de toda sorte, inclusive infantis (cabe lembrar que a questão da fome já havia motivado a própria revolução francesa de 1789, aquela que gerou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão).

Outro aspecto significativo para o senso comum – igualmente negativo – em relação ao comunista é que ele visa “tomar seus bens"...

Isto de fato poderia assustar, não fosse a instituição do Estado moderno, feito para ser a estrutura do capitalismo e do direito positivo. Não há como o comunismo se instalar, sequer ajustar-se nas entranhas do Estado moderno. É praticamente um software que não roda.

Até seria interessante o entendimento diferencial entre propriedade particular e propriedade privada em face dos meios de produção, mas isto também não será objeto deste texto.

 Vejamos alguns disparos do senso comum em relação ao ser comunista: ser petista ou militante do MST; defender direitos trabalhistas; ouvir “vai pra Cuba!”; querer tomar terras e ocupar casas dos outros; defender direitos humanos pra bandido; defender educação sexual mediante o kit gay; ser contra a reforma da previdência; não querer guerra contra a Venezuela; ser contra a ingerência dos EUA no Brasil; exigir que as garantias constitucionais sejam obedecidas pelos poderes.

Definitivamente, o comunista não é um “cidadão de bem” para o senso comum.

 É bom ser cidadão de bem, mas cabe ressaltar que “Cidadão de Bem” era igualmente o nome de um jornal – “Good Citizen”- da Klu Klux Klan, organização americana racista que, mediante versículos da Bíblia e em nome da família branca tradicional, perseguia, linchava e matava negros.

Da mesma forma será comunista quem, eventualmente, discutir a expressão “O Brasil acima de tudo”. Quem ousaria?

Sem embargo, cabe novamente esclarecer que é uma expressão similar ao verso “Deustchland über Alles” – Alemanha acima de tudo – cuja canção foi incorporada ao nazismo no seu auge perseguidor.

Assim, em outras vias da palavra, do simbólico e para além das iras do senso comum que cegam e brutalizam pessoas, há uma transcendência comum que não pode ser esquecida: somos todos filhos do mesmo pai. Somos irmãos. É disto que decorre o metaprincípio da fraternidade e signo maior dos mandamentais da cristandade.

Portanto, e por mais estranho que pareça, sob uma cristosfera não há como não sermos comunistas em Deus. Pelo menos assim, contenhamo-nos.

 

(*) Dedicado a Luiz Gama (1830 - 1882)

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