O asno de ouro*

Domingos Sávio Calixto 

O “Asno de Ouro” é uma obra do século II d.C. escrita pelo filósofo romano Lucius Apuleio (125 – 170 d.C), sendo de caráter intradiegética, fantástica, poética, humorística e até erótica. 

Na realidade, o título original é Metamorfoses, mas tornou-se mais conhecida pela denominação que lhe foi dada pelo próprio Santo Agostinho: Asinus Aureus. O livro fala das aventuras fantásticas da personagem Lúcio, que sai da cidade de Himeto em direção à Tessália em companhia de dois amigos em busca de fantasias.

Durante o percurso, chegam à cidade de Hípata, onde Lúcio permanece, e os dois amigos seguem caminho. É nesta cidade que ele toma uma poção mágica com o objetivo de se transformar momentaneamente numa coruja, símbolo da sabedoria. 

Ocorre que Lúcio havia recebido um frasco de poção equivocada, ou seja, acabou por ingerir um óleo capaz de transformar pessoas em asnos e assim, lamentavelmente, aconteceu. Transformado em asno, ele deveria esperar para comer rosas para retomar sua forma humana, mas, antes que isso pudesse acontecer, ele foi subtraído por um tratador de cavalos.

Daí em diante, já com a narrativa de asno, a personagem passa pelos mais variados sofrimentos, danos e donos. Foi novamente roubado, espancado, humilhado, ameaçado de castração e até submetido a um vexatório conúbio com uma condenada em plena praça pública.

Depois de muito orar aos deuses, foi finalmente instruído pela deusa Ísis a ir numa cerimônia religiosa, onde conseguiu avançar contra as mãos do sacerdote e devorar uma coroa de rosas, tendo êxito em voltar à sua forma humana, para enorme júbilo, contentamento e sobrando as mais variadas lições.

Pois bem. É possível que esteja acontecendo um conto igualmente fantástico, ainda que nada poético e muito menos erótico, mas seguramente trágico. 

Talvez estejamos em tempos de se narrar uma história de um asno que se transformou em humano, e depois de humano ainda se transformou em um político de alto cargo. Sem embargo, esse asno humanizado enveredou-se rapidamente por atitudes que lhe confirmam a natureza, ou seja, como político metamorfoseado – em sua primeira atitude – fez mandar embora de sua vila médicos estrangeiros que lá atuavam em favor de classes de adoentados mais necessitados. 

Como sublime asneira – não é que o danado do asno diminuiu e congelou  verbas para a saúde – também fez troça de doenças que atingiram pandemicamente sua região. Ele – o asno –, mesmo diante do pandemônio da pestilência instalada, alegou que era apenas uma doençazinha besta e que os demais humanos não precisariam de preocupação alguma, pois que poderiam continuar trabalhando, indo aos estádios, às igrejas e se ajuntando em praias ou qualquer outro lugar. 

Não é que o bípede de fantasia fez mais? Além de anunciar uma cura inexistente para a maldita doença, promoveu até festa de aniversário com o dinheiro da vila, enquanto ela – a vila –, trancafiada em casas, sofria sob medos  diversos.

Ora, dizem que o tal feitiço de asno para humano é muito mais complicado e que pode durar até quatro anos. Se rogar adianta, rogue-se. Se não, que Ísis  tenha novamente piedade!

 

(*) Dedicado aos médicos cubanos que foram honrosamente recebidos na região da Lombardia – Itália – para auxiliarem na assistência aos atingidos pelo Covid-19.

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