Noites sombrias

Inonêncio de Nobrega

A noite, o fim de ontem; madrugada, começo do hoje,  correspondem 1/3 da vida cotidiana. Em nossos lares, parte delas usufruímos para recuperarmos as energias despendidas durante o dia, para sonharmos, termos repouso, momentos de felicidade e de prazer. Se acordados, iluminadas pela lua, são uma dádiva para os namorados, para os seresteiros. Muitas vezes nos ensinam o que fazermos nas atividades diurnas.  Assim, a natureza as fez, para a preservação do ecossistema. Só algumas espécies de seres vivos gozam o privilégio de alterar essa ordem natural.

O homem bicho, entretanto, serve-se de sua inteligência para alterá-la. E o fez, em vários períodos da história. São os malfeitores, conspiradores, criminosos, indiferentes à paz social, agindo em desfavor da vida pública. Hordas armadas, em pequenos grupos, ou em batalhões, sectários a serviço do autoritarismo, sedentos para algum tipo de tormenta humana, para sacio de seu sadismo. É dessa forma que vejo a transição de duas noitadas, em épocas bem distantes entre si. A “Noite  da Agonia”, de 11 para 12 de novembro de 1823, quando Pedro I militarmente cercou nossa 1ª Assembleia Constituinte, muitos dos seus integrantes sendo presos ou exilados, a exemplo dos irmãos Andrada. 

Vou contar, agora, o segundo, a trágica noite de 31 de março de 1964. O episódio se deu na cidade de Itaqui/RS, no sudoeste do estado. Gil Cunegatto Marques, prefeito do município, pertencente ao bloco trabalhista do presidente Jango, ao lado de seu vice, Otoni Piffero, vereadores, lideranças operárias e locais, debatiam as Reformas de Base, preconizadas pelo Governo Federal. No recinto encontravam-se cerca de 40 participantes, nos exatos instantes em que se eclodia o golpe civil-militar. 

Tudo instantaneamente, o tenente-coronel Caetano Pinto Rocha, comandante do I Regimento de Cavalaria, determinou a prisão de todos, acusando-os da prática de “crimes contra o Estado e seu patrimônio, à ordem política e social, bem como atos de guerra revolucionária”.  O recinto foi eletricamente cercado, e sargentos designados para sustarem qualquer fuga. Mais tarde, esses patriotas vieram a responder IPM, sendo rotulados, pela Câmara Municipal reacionária, de “verdadeiros filhos do diabo”. O anistiado político Iberê Athayde narra esses horrores, com precisão, em seu livro “Nuvens de Chumbo sobre Cambaí”. 

Todo empenho é pouco para neutralizar ações contra a democracia. O campo de concentração de Itaqui, com muita percepção, traz esse alerta às autoridades supremas da Justiça.  1823, 1964, anos que se batem na essência!

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