Justiça?

Adriana Ferreira

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) informa um rombo de R$ 147,4 bilhões em 2016. São 74% a mais do que em 2015. Mas a soma do valor devido pelos 500 maiores devedores da Previdência Social é de R$ 426,7 bilhões – ou seja, quase três vezes o valor do alegado déficit. Por que não são cobrados?

A JBS (Friboi, Seara), empresa do Joesley Batista, deve R$ 2,36 bilhões à Previdência Social. Com esse débito, a JBS não poderia tomar empréstimos públicos. Mas, entre os anos de 2002 e 2013, conseguiu quase seis vezes esse valor em empréstimos junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Foram R$ 12,8 bilhões, sendo que no período de 2007 a 2010, quando resolveu investir forte nos EUA e em outros países, o BNDES liberou a quantia de R$ 11,6 bilhões. Isso mesmo! Poucos mais de R$ 1 bilhão investido no Brasil. Graças à benevolência do BNDES (quem tinha a chave do cofre nesse período?), a JBS passou seu faturamento de R$ 4 bilhões para R$ 170 bilhões, garantindo dezenas de milhares de empregos diretos em mais de 160 países do mundo, com o suor do povo brasileiro. Realmente o brasileiro é muito bonzinho.

Mas a Previdência Social precisa cobrir o rombo. Então a cobrança tem sido dos assalariados, da seguinte forma: o trabalhador ajuíza uma ação previdenciária ou de natureza acidentária contra o INSS e consegue a antecipação dos efeitos da tutela provisória de urgência que é o instituto jurídico com o qual o juiz, diante das provas até então produzidas no processo, pode antecipar o pagamento do benefício almejado.

Pois bem: o benefício é implantado e a pessoa começa a receber de boa fé, frise-se, e utiliza esse dinheiro para a sua própria sobrevivência, comprando alimentos e medicamentos, na maioria das vezes.  Mas eis que posteriormente há a reforma da decisão e o benefício é cessado. Isso pode ocorrer após meses ou anos. Conheço gente que recebe por antecipação de tutela há mais de 10 anos.

Até recentemente o entendimento da Justiça era de que o valor recebido de boa fé da Previdência Social, através de antecipação de tutela, tinha caráter irrepetível, ou seja, devido a sua natureza alimentar, não havia que se falar em restituição aos cofres públicos (Súmula 51 da Turma Nacional de Uniformização).

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça entendeu que cassada a antecipação de tutela, os valores devem ser ressarcidos para à Previdência Social, devidamente corrigidos e assim um Poder Público eficiente formado por técnicos previdenciários, Advocacia Geral da União e Judiciário cobra do assalariado a restituiçãodo dinheiro gasto em comida e remédios.

Para os grandes devedores, mais dinheiro público, não importa se para investir lá fora ou pagar propina. Para os assalariados que receberam de boa fé para sua própria sobrevivência com um pingo de dignidade, uma Guia de Pagamento da Previdência Social com a ameaça de uma ação judicial de cobrança em caso de não ocorrer a quitação e caso consiga restabelecer o benefício ou ter acesso a outro benefício previdenciário ou assistencial, o artigo 115 da Lei de Benefícios da Previdência Social – Lei 8.213/91 – prevê o desconto de até 30% do valor mensal do benefício. A dívida se torna eterna ou até quando durar o benefício. O trabalhador raramente fica sem pagar. É tamanha a nobreza de caráter que há aqueles que não conseguem dormir devido a dívida e às vezes preferem se desfazer de sua própria casa para quitar o débito, repisa-se, surgido face a entendimento diverso entre um magistrado e outro.

Uma pergunta: por que esse mesmo poder público não demonstra a mesma eficiência para cobrar quando se trata dos 500 maiores devedores da Previdência Social?

 

Adriana Ferreira é advogada.

 

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