Interface entre o direito e a medicina

Estamos vivendo uma nova realidade jurídica da área médica, de aumento constante e progressivo do número de demandas judiciais e queixas perante os conselhos profissionais, no intuito de apurar a responsabilidade dos profissionais e instituições, por danos decorrentes da prestação de serviços na área da saúde.

Em 2017, segundo o CNJ,o Brasil alcançou 26 mil processos em face dos médicos por suposto erro de conduta. Essa apuração é preocupante em relação à proteção da saúde do ser humano, bem como à proteção dos médicos, tendo em vista que o simples fato da instauração de um processo disciplinar ou judicial não aponta se o profissional procedeu da forma errada. É necessário que a inquirição e o parecer sejam finalizados. Porém, frente à sociedade, a reputação do médico pode ficar suja.

É imprescindível que a relação médico-paciente esteja cada vez mais fortalecida, considerando que é a essência do direito médico, tendo em vista que 50% das ações contra médicos ocorrem em virtude da fragilidade da relação, e não porque houve de fato um erro médico.

Dessa forma, estar capacitado apenas tecnicamente nos tempos atuais não é mais suficiente. É necessário que o profissional da saúde, por mais competente que seja, resgate sempre a medicina hipocrática em que se olha o ser humano como um todo, dentro do seu conceito fisiológico, mental e emocional. É o caminho para aperfeiçoar não somente a saúde do ser humano, mas para fortalecer a relação entre as partes e, consequentemente, reduzir o número de processos judiciais e administrativos.

Embora não concorde com aplicação do Código de Defesa do Consumidor no direito médico, pelo fato de não ser uma mera relação de consumo, uma vez que o bem jurídico tutelado trata-se do maior bem que o ser humano pode ter, a vida, ainda assim o judiciário e a doutrina majoritária, em face da lacuna jurídica sobre esse assunto, entendem ser uma relação de consumo, inclusive com a possibilidade da inversão do ônus da prova, confrontando o Código de Ética Médica, que dispõe que a atuação profissional do médico não caracteriza a relação de consumo.

O entendimento do judiciário nos traz uma preocupação ainda maior, pois pode gerar uma presunção de culpabilidade do médico (obrigação de resultado) generalizada, além de favorecer injustiças, pois não corresponde à essência da atividade médica e pode contribuir com uma medicina defensiva, o que não é o ideal.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor não favorece em nada a prevenção dos litígios e não contribui com a melhoria da comunicação entre paciente-médico.

Portanto, é indispensável que o direito e a medicina caminhem juntos, com o objetivo de buscar uma atuação preventiva a fim de minimizar os riscos de eventuais demandas judiciais.

 

Marina de Alcântara Ribeiro – Advogada e presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde Mental da 48ª Subseção da OAB/MG.

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