Habeas Pinho

Inocêncio Nóbrega 

No cerco a Lisboa, em 1147, seus heróis se utilizaram de nove cunhas na escalada ao Castelo, ocupado pelos inimigos. No livro “Velhas Famílias Mineiras” serve-se desse episódio para justificar a origem da família Cunha. Espalhada, em Portugal como no Brasil, na Paraíba constituiu vários troncos, além do Cunha, Cunha Pedrosa, Carneiro da Cunha, Cunha Lima.

Alcançando destacadas posições políticas, um dos membros da nova geração dos Cunha Lima, Bruno, neto do ex-senador Ivandro Cunha Lima, nas últimas eleições acaba de alçar, como prefeito, o Castelo Municipal de Campina Grande. Com um detalhe, nada de heroísmo, uma questão de oportunidade e um pouco de genética política. Basta lembrar que ele é sobrinho-avô do ex-mandatário campinense. Na sua  cidade, um grupo de seresteiros, numa das frias e gostosas madrugadas, policiais lhes levaram o violão, e pediram a Ronaldo Cunha Lima,  advogado, que de alguma forma tentasse que fosse liberado.

Nesse sentido, peticionou ao juiz de direito da 2ª Vara da Comarca, documento a que intitulou de “Habeas Pinho”. Nesses termos, inicialmente assim escreveu: 

“O instrumento do crime, que se arrola/ neste processo de contravenção,/ não é faca, revólver nem pistola,/ é simplesmente, doutor, um violão. 

Um violão, doutor, que na verdade/ não matou nem feriu um cidadão,/ Feriu, sim, a sensibilidade/ de quem o ouviu vibrar na solidão.

 O violão é sempre uma tortura,/ instrumento de amor e de saudade./ O crime a ele nunca se mistura./ Inexiste entre eles afinidade.

O violão, próprio dos cantores,/ dos menestréis de alma enternecida/ que cantam as mágoas que povoam a vida/ e sufocam suas  próprias dores.

O violão é música e é canção,/é sentimento, vida e alegria,/ é pureza, é néctar que extasia,/ é a dor no espiritual no coração.

Seu viver como o nosso é transitório,/mas seu destino, não, se perpetua./Ele nasceu para cantar na rua/ e não para ser arquivo de cartório.

Mande soltá-lo, pelo amor da noite/ que se sente vazia em suas horas,/ p’ra que volte a sentir o terno açoite/ de suas cordas leves e sonoras

Libere o violão, dr. juiz,/ Em nome da Justiça e do direito./ É crime, porventura, o infeliz,/ cantar as mágoas que lhe enchem o peito?. 

          Será crime, e afinal, será pecado,/será delito de tão vis horrores,/ perambular na rua um desgraçado/ derramando na rua as suas dores?”.                            

Conclui o último quarteto: “É o apelo que aqui lhe dirigimos/ na certeza do seu acolhimento,/Juntada desta aos autos nós pedimos/ e pedimos também DEFERIMENTO”. No mesmo tom, o juiz Arthur Moura emitiu a seguinte sentença: “Para que eu não carregue/ remorso no coração/ determino que entregue/ ao seu dono o violão”.

Jornalista

[email protected]

Comentários