Gestação por substituição e o ordenamento jurídico brasileiro

Soraya Augusta do Rosário Marques

A gestação de substituição ou a “barriga de aluguel”, expressão conhecida popularmente, tema recorrente em filmes e novelas, consiste em um acordo no qual uma mulher engravida com a finalidade de gerar e dar à luz uma criança que não é seu filho.

A gestação por substituição não possui regulamentação em nosso ordenamento jurídico. Apesar da lacuna legislativa, tem havido uma crescente utilização do método na busca pela “cura” da infertilidade ou da esterilidade que acomete mulheres que desejam gerar descendentes e que não encontram na doação o método ideal para si ou para o casal.

Conforme a resolução 2.168/2017, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Provimento 52 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a gestação de substituição só pode ser feita a título gratuito, e apenas no caso de haver um problema médico que impeça ou contraindique a gestação ou em caso de união homoafetiva.

O CFM ainda regulamentou que o útero voluntário deverá ser disponibilizado em âmbito familiar, em até 4º grau de parentesco consanguíneo dos pacientes, sendo no primeiro grau: mãe/filha; segundo grau: avó/irmã; terceiro grau: tia/sobrinha; ou quarto grau: prima. Além disso, a cedente temporária do útero deverá ter ate 50 anos de idade, exceto nos casos devidamente justificados pelo médico e demonstrada a ausência de risco à saúde da cedente e/ou aos descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção.

Ainda a resolução 2.121/2015 do CRM, visando amenizar possíveis desgastes entre as partes e evitar problemas no momento de entrega da criança aos detentores do projeto parental, determina constar no prontuário o consentimento das partes, a aprovação expressa do cônjuge ou companheiro da doadora, atestado médico psicológico da doadora, contrato estabelecendo a filiação, os riscos inerentes à maternidade, os aspectos biológicos, jurídicos, éticos e outros da técnica utilizada de reprodução assistida.

O Supremo Tribunal Federal, em 2011 (informativo 625), reforçou a aceitação dos novos contornos familiares, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar, fundada no afeto, e não mais apenas no vinculo biológico ou genético. Decisão corroborada na resolução 2013/13 do CFM, permitindo expressamente o uso das técnicas de reprodução assistidas por homossexuais e pessoas solteiras.

Alguns doutrinadores entendem que o simple fato da retirada do caráter comercial do negócio jurídico na reprodução assistida não supera a ilicitude do objeto contratual, pois atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana, e é inválido e ilícito, considerando que o objeto, neste caso, seria a própria criança a ser gerada.

Por outro lado, a viabilidade da consecução do contrato de gestação por substituição encontra respaldo no argumento de que, em verdade, o objeto contratual não seria a criança, e sim a prestação de serviço de aluguel do útero de terceiro.

Assim, a evolução científica e o progresso da medicina, combinados com o cumprimento das normas de caráter administrativo e ético ensejaria a realização do desejo e, principalmente, o direito à procriação, à paternidade, à reprodução, à saúde, ao livre planejamento familiar, o direito de constituir família e a igualdade.

 

Soraya Augusta do Rosário Marques – Advogada e secretária geral adjunta da 48ª Subseção da OAB/MG – E-mail: [email protected]

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