Fatos não correspondem

 Antônio de Oliveira 

 

Os pais costumam ter um trabalho danado para escolher o nome do bebê. Não é sem razão que, depois de todo esse esforço, ninguém queira ser tratado, anonimamente, como “o próximo” ou como o cliente do guichê 5 ou como portador da senha 24 ou como fulano, sicrana... Ser tratado pelo nome é prova de individualidade, sinal de consideração e identificação. “Meu nome é Enéas”, repetia, com orgulho, o candidato à presidência da República. Toda pessoa tem um nome ou um apelido de que gosta. 

Antropônimos e topônimos nem sempre correspondem à realidade. Ironia da sorte. Ou da falta de sorte. Uma jovem chamada Celeste tinha pavor de viajar pelos céus, de avião. Belo Horizonte virou Triste Horizonte num poema de Carlos Drummond de Andrade. Um advogado por sobrenome “de Deus” foi condenado à pena de reclusão. Uma menina de nove anos morre ao ser levada pela enxurrada no Conjunto Felicidade. Morte de adolescente deixa apreensivos os moradores do Jardim Felicidade. Em Lagoa Santa, o bairro Vila Rica teve casas demolidas por um vendaval. Um assaltante de 25 anos é o segundo membro de uma família linchado no bairro da Paz. Moradores da Vila Beija-Flor tiveram de limpar a sujeira e reparar os estragos provocados pelo temporal. 

Nomes como Celeste, Felicidade, Lagoa Santa, Vila Rica, Belo Horizonte, Bairro da Paz, Beija-Flor ou Cidade de Deus refletem desejo de harmonia. Entretanto, nomes assim acabam por contrastar com tragédias e violência. É que nem sempre a linguagem ideal reflete a realidade, à semelhança de boas leis, piedosos sermões, lições de moral. Vale a pena lutar um pouco mais pela coerência entre pregação e ação, discurso e ética, razão e sensibilidade. Eldorado dos sonhos e realidade do dia a dia. Síndrome da pressa versus gentileza urbana no trânsito, paz e amor. Lembra padre Antônio Vieira que cada um sonha como vive. Mas cada um sonha também como gostaria de viver... 

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