Entre o fim e o começo

Leila Rodrigues

 

Lá fora a chuva caía sem medo. Com os olhos grudados na janela ela segurava a jaqueta jeans como quem carregava um bebê recém-nascido. Na mala as suas poucas roupas, no estômago todas as borboletas. Era medo, era vontade, era começo e era fim. Tudo junto no mesmo instante em que a chuva caía.

Ela lembrou do colo da mãe, desejou um café quentinho e lembrou que ainda não tinha onde morar. Quase chorou! Mas os pingos da chuva no vidro fizeram-na lembrar da brevidade dos instantes. Dali para frente ela seria uma pessoa só. Um lugar só para si, um estado civil novo e ela ainda sem saber como seria o seu nome sem o sobrenome dele.

Sentiu frio. Mas não teve coragem de vestir o seu bebê-blusa que carregava no colo. Desejou que os dias passassem bem depressa, desejou ter um bebê para cuidar. Rapidamente o desejo passou e ela agradeceu ser sozinha neste exato momento. Prometeu ter um cachorro assim que tivesse onde morar.

Desceu do ônibus e andou no meio da multidão. Era maravilhoso ser apenas mais uma no meio de todos. Era maravilhoso não ser de ninguém. Concluiu que esse era o seu melhor recomeço e riu sozinha do seu mais recente estado de graça. Há algo assustador entre o fim e o recomeço, algo que não se explica. Demora um tempo para reconhecermos que em cada canto há um novo encanto. Os dias de inércia são necessários. É deles que vêm o impulso para recomeçar.

É preciso se acostumar com o vazio que o outro deixou. É preciso se acostumar com os hiatos. É preciso esquecer o cheiro e andar pelos espaços da ausência. É preciso aceitar o silêncio antes de criar a nova playlist. É preciso refazer as gavetas e ressignificar os espaços. Leva tempo! Leva o tempo de cada um.

Para alguns basta um bom banho e está tudo novo. Para outros é preciso mais que uma primavera e para ela era preciso pegar aquele ônibus e atravessar os limites que ela tinha no peito.

Ela não queria acabar com o passado. Não era nada disso. Ela queria apenas dar ao passado o seu verdadeiro significado. Transformá-lo numa escultura e delicadamente colocá-lo sobre a cômoda. É assim que se faz com o que não temos mais nada a fazer.

Agora trata-se daquele tempo entre o tombo e a sacudida na poeira. Porque querendo ou não a vida vai continuar.

Fim e começo sempre vão se misturar. A arte é digerir um e saborear o outro ao mesmo tempo. Haja estômago! Haja borboletas!

leilarodrigues-palavras.blogspot.com

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