Divinópolis era assim

Augusto Fidelis 

Na página 378 do Best Seller “Lanternas ao Longe”, com mais de um bilhão de exemplares vendidos em todo o planeta, dona Mariquita é enfática: “Quem remexe demais o passado é porque perdeu a perspectiva de futuro”. Na página, seguinte a autora clareia a sua opinião: “O passado passou, não volta mais; o futuro é uma possibilidade; a vida se vive no presente”. 

Na sequência, a Internacional salienta que o ser humano deve projetar sua vida sempre para frente e para o alto, cada vez mais para o alto, nunca para trás, porque é perda de tempo. Concordo com dona Mariquita, mas não posso abrir mão totalmente da minha caixinha de lembranças. Não a abro com frequência nem a remexo com insistência, mas quando o faço é para buscar a energia acumulada e, assim, impulsionar-me para frente e para o alto. 

Agora, por exemplo, Divinópolis está em festa celebrando 105 anos de emancipação político-administrativa. Mas quando eu cheguei aqui, em maio de 1976, para trabalhar na Companhia Siderúrgica Pains, o município também celebrava aniversário, mas apenas 64 anos. Ora, a cidade que me marcou foi aquela que me acolheu. As pessoas eram mais amigas, mais solícitas, raros eram os casos de violência. Ainda se podia deixar a porta da sala aberta, sentar-se nas calçadas, brincar no meio da rua. 

Eu morava num quartinho de pensão, na Rua Rio de Janeiro, justamente no local onde hoje se ergue o JB Palace Hotel. Apesar do dinheiro minguado, dava-me ao luxo de tomar café na Padaria Divinópolis, frequentar a Casa da Manteiga, sentar-me na porta do Vaca na Brasa, ir ao Salão Paroquial de Santo Antônio, Sambão, Mangueira, aos cines Arte, Divinópolis e Alhambra, não perdia a sessão das dez no Cine Popular. 

Tinha lugar cativo no Santuário de Santo Antônio, na missa das 19 horas. Sentava-me sempre ao lado das irmãs Rosalina e Maria Altina e estas se tornaram minhas amigas, às quais visitei enquanto viveram. Na Sexta-Feira Santa, eu podia ser encontrado com facilidade junto à banda de música, na procissão do enterro. A multidão descia a Avenida Getúlio Vargas, de velas acesas, num espetáculo grandioso de fé. 

Quando chegava o rodeio, sem dinheiro para o ingresso, o meu amigo Mário, mais audaz do que os outros, subornava o vigia que ficava no fundo do parque, e este permitia que toda a turma entrasse pelo buraco da cerca, uma aventura de dar frio na barriga. Enfim, Divinópolis era assim, um lugar de muitas promessas, de tantos amores, e um Rio Itapecerica caudaloso, no qual ainda se podia banhar. Porém, fecho aqui a minha caixa de lembranças, porque o futuro há de ser de veras grandezas, para frente e para o alto! 

Augusto Ambrosio Fidelis é bacharel em Administração de Empresa e em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo. Pós-graduado em Marketing Empresário. É o cerimonialista e membro da Academia Divinopolitana de Letras. 

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