Dissecando o humano de barro

Antônio de Oliveira

Prêmio Nobel de Literatura (1948), T. S. Eliot se considerava anglo-católico em religião, clássico em literatura e monarquista em política. Eliot converteu-se ao anglicanismo em 1927. Três anos depois, escreveu o poema Ash-Wednesday (Quarta-feira de Cinzas).

Ave mitológica, fênix durava séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas. Entretanto, no “Sermão de Quarta-feira de Cinzas”, lembra padre Antônio Vieira: “Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios”. Em sentido figurado, cabe o significado de humilhação dorida: cinzas do arrependimento. Pelo atual processo da cremação reduz-se o corpo a cinzas, por vezes lançadas ao mar. Sequer resistem a um brando sopro da viração.

“Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” (Gênesis). Pó e cinzas se identificam nessa perspectiva. E pensar que desta vida nada se leva! Caixão não tem gaveta para transportar pertences e não pertences. Não funciona como salvo-conduto nem como propinoduto.

Cinzas, pó, lepra. Os leprosos mantinham-se segregados em lugares de eventual purificação. Daí se passava, quando passava, purificado, para o convívio social. O leproso necessitava de sete banhos de purificação para ser considerado limpo, como o fez, depois de muito relutar, o comandante Naamã, banhando-se no Rio Jordão. Ferido de horrível lepra, da cabeça aos pés, o paciente homem Jó foi relegado à exclusão social. Pela palavra “lepra” designavam-se várias doenças de pele, não necessariamente lepra. Pior que a lepra externa é a lepra interna no tecido da alma.

  1. S. Eliot: “Because I know that time is always time. And place is always and only place.And what is actual is actual only for one time. And only for one time”. Porque sei que o tempo é sempre o tempo e que o espaço é sempre o espaço apenas e que o real somente o é dentro de um tempo. E é tempo de “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (CF-2020). O agora há um segundo não é mais agora.

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