Desculpem a beleza, o cinismo e a hipocrisia

Domingos Sávio Calixto - CREPÚSCULO DA LEI – XCI

Depois da expulsão do paraíso, o ser humano tornou-se muitas coisas, partes perdidas dentro de sua própria imperfeição. Tornou-se um ser que valora e compara. 

O homem passou a designar-se como o ser avaliador das coisas por sua própria imaginação e também passou a criar o mundo à sua imagem e semelhança. Ao mesmo tempo o homem – também – se tornou um ser mimético, um imitador da natureza e tomou para si a avaliação da “sua” natureza imaginária, portanto, “boa”. 

Trata-se de um paradoxo no qual o próprio homem avalia, cópia e volta a avaliar. É deste paradoxo que o homem extrai “seu” conceito do belo, ou seja, o belo será o resultado daquilo que ele consegue avaliar e copiar, cuja consequência seria, portanto, “boa”. Assim o belo se fez bom e o bom é aquele que diz “o que é bom”.

E o bom disse: “O mau é feio!”, e a fealdade se fez má, porque somente o bom tem a capacidade de enxergar o mau, e para enxergar melhor o “bom” ele será sempre o “belo”. Essa é a estética ocidental: o belo é bom e o feio é mau (?).

Assim o “mau” se tornou um espaço a ser preenchido pelos “olhares dos bons” e neste lugar funciona a antecâmara do inferno em vida. É nesta masmorra da linguagem que o bom, disfarçado de bem, coloca seus inimigos.

Ora, o racismo funciona assim, avaliando e copiando. Para tal, ele identifica o preto como feio, porque sua primeira arma mimética é o “olhar dos bons”, e os pretos não têm como fugir do olhar dos bons, que são brancos. Se os brancos são bons porque eles têm capacidade de dizer o que é mau, então os brancos disseram: “Os negros são maus”. 

Assim os brancos ensinam, e o olhar deles não erra, afinal, são seres avaliadores por natureza, ainda que a natureza seja imaginária. Não é coincidência, pois, que os pretos sejam “vistos” como seres inferiores, cujo espírito animal somente conseguirá a elevação mediante a domesticação dos brancos. Aos maus, o cárcere!

Sob esse aspecto a primeira avaliação do racismo é negar-se na real essência e apegar-se à sua própria natureza imaginária, tão branca quanto possível pela luz “branca” que identifica, mede e separa a aparência pela cor das peles.

 Pois bem, ocorreu o seguinte: 

determinada jovem negra, economista, foi eliminada de um concurso público no qual “a banca examinadora considerou que ela não sofreu discriminação por ser bonita e não ter características físicas associadas às pessoas negras, como cabelo crespo, nariz e lábios extremamente acentuados e cor da pele evidenciada”. O órgão responsável pelo processo seletivo afirmou que “o sistema de cotas exige pele parda e características fenotípicas de pessoas negras”.

O caso, ocorrido em 2018, foi parar no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e a candidata negra bonita e excluída foi readmitida.

É, pois, proibido aos pretos que sejam bonitos porque eles são maus e, sendo bonitos, como serão maus? Assim está determinado pelos bons, que são brancos e bons, e moram em um país racista, cínico e hipócrita.

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