Das facilidades que dificultam

Leila Rodrigues

Não tive uma infância luxuosa. Nem eu, nem a maioria da minha geração. Não estou falando de condição financeira, muito menos do fato de não existir internet, celular e todas as facilidades decorrentes do avanço tecnológico. Não! Minha infância não foi luxuosa porque tínhamos limites. Limites como hora para dormir, tarefas para cumprir em casa e obediência aos mais velhos como fator fundamental. Lembro-me que guaraná só no fim de semana e um copo por pessoa. TV? Na sala e no horário do desenho animado (que eram míseros 15 minutos). Aula particular de reforço? Eu que não tratasse de estudar e tirar nota boa, para ver no que ia dar! Minha mãe me levou à escola no primeiro dia de aula e nunca mais voltou, nem para me buscar naquele primeiro dia! Então, é neste sentido que digo que minha infância não foi luxuosa. O interessante é que isso tudo que eu e minha geração vivemos era completamente normal. Ninguém morria por causa dos apelidos, nem levava a mãe no conselho tutelar por umas palmadas que levara. Simples assim.

Então crescemos e quisemos dar aos nossos filhos tudo que não tivemos. Do refrigerante todo dia ao tablet-babá. Nós fizemos um esforço sobre-humano para que nossos filhos tivessem uma vida melhor que a nossa. Muito melhor! Demos luxo, facilidades, conforto, regalias, presentes e poder de escolha. Quando, naquele momento, tudo que nossas crianças precisavam era de amor e limite. E então eles se tornaram jovens intelectualmente muito bem preparados, que sabem falar várias línguas, sabem muito de tecnologia, mas não sabem sofrer. Esses jovens chegam ao mercado de trabalho completamente despreparados para receber ordem. Não entendem o que é hierarquia, não suportam um feedback verdadeiro e não aceitam perder. E não estamos falando dos meus filhos ou do seu, estamos falando de uma geração inteira.

Pergunto-me, onde erramos? E respondo para mim mesma o que a vida me ensinou à sua maneira: “Toda vez que eu facilito para outro, toda vez que eu realizo para o outro aquilo que o outro tem plenas condições de fazer, eu estou dizendo que ele não tem competência para tal”. E assim criamos um império de pequenos e incompetentes reis. Acostumados às suas poltronas confortáveis, aos aplausos e holofotes, porém, completamente despreparados para a vida. Um tiro que saiu pela culatra e agora nos faz voltar às nossas origens, simplesmente para constatarmos quão sábios foram os nossos velhos pais. Vivendo e aprendendo!

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