Crepúsculo da lei – XXXIII: Raça são os outros

Quando a Europa expandiu e radicalizou suas práticas colonialistas nos continentes que invadiu – matando, roubando e escravizando – um conceito de raça já se esboçava, afinal era necessário rotular aqueles novos selvagens, notadamente os negros africanos e os índios americanos. Até então, a explicação ficava por conta da Bíblia e a humanidade era compreendida (todos) como descendentes de Adão, um pensamento que predominou até o começo do século XIX chamado monogenia.

Bem que o filósofo J. J. Rousseau (1712 – 1778) até tentou uma distinção positiva em relação aos novos homens ao criticar a civilização e a sociedade da época, no sentido de que eram espaços de degeneração e corrupção em relação ao bom selvagem, ou seja, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. De nada adiantou, pois os padrões estéticos e os fenótipos prevaleceram em favor do eurocentrismo binário: se africanos e índios eram estranhos e feios, logo eram maus e inferiores.

Diante desses seres maus e inferiores, buscou-se uma diferenciação de origem, já que a mensagem bíblica não tinha mais serventia. Constrói-se, assim, o pensamento poligenista, fundado em evoluções distintas (!) para a humanidade, ou seja, os povos caminham pelo mesmo caminho, mas alguns povos estão mais à frente que os outros.

Claro que a antropologia (...) ajudou bastante, e Charles Darwin (1809 – 1882) ajudou ainda mais. Fato é que não tardou para a cor da pele, formato do nariz, cabelos, lábios e cabeça serem tomados como critérios “científicos” de segregação de pessoas, bem como gerar a ideia de raça na sociedade moderna, evidenciando um conceito de superioridade biológica e cultural na bondosa humanidade cristã.

Claro que não foi muito difícil para a ciência genética do século XX demonstrar que raça como realidade biológica não possui nenhum dado existencial, já que os marcadores genéticos dos seres humanos são os mesmos, não havendo elementos suficientes para fundamentar uma categoria de raça.

Todavia, o estrago já havia sido feito. O mito da raça serviu para muitas coisas, coisas bem cruéis inclusive, até para Estados praticarem o poder punitivo – e religioso – contra sua própria população, o chamado biopoder, conforme Michel Foucault (1926 – 1984), fazendo viver (alguns) e deixando morrer (aqueles outros).

É assustador que enquanto a ciência demonstra a inexistência genética de raça, eis que o racismo insiste em manter-se em discursos moralistas vazios e conceitos ultranacionalistas de ódio para forjar uma “raça social”, fundada em velhos argumentos (?) de superioridade moral, social e religiosa de uns sobre os outros. É exatamente o tipo de ideologia capaz de gerar os piores patriotas possíveis!

No Brasil as raças existem (!) e são confirmadas na própria lei. Quando a lei 7.716/89 estabelece penas aos crimes de preconceito de raça e de cor, ela (a lei) admite que raça e cor (de pessoas) existem, mas que devem ser respeitadas (?), mantendo-se a calma poligênica. Ora, a lei não poderia jamais admitir que raça e cor existam, pois o verdadeiro crime seria exatamente praticar atos que pudessem fazer segregação ou distinções análogas à existência de raça. A lei deveria negar o termo raça, punir condutas que pudessem criar essa ideia e, portanto, reunir o ser humano em sua essência monogênica, em defesa da dignidade humana, aquela que nos faz irmãos e filhos de um único Pai.

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