Crepúsculo da lei - XLVI

América Latina e a farsa do século

Todas as formas de poder estão orientadas pela criação de continuidade, conforme o filósofo sino-germânico Byung-Chul Han. O direito positivo – ou positivado – não fugiu à regra.

Em se tratando de positivismo, foram suas bases que instrumentaram o golpe da república brasileira gerada em instâncias qualitativas de privações de direitos naturais, os quais insistiam em acudir a comunidade escrava em novos horizontes iluministas de civilidade, ou um mínimo direito à cidade.

Não se trata de um fato que possa ser considerado historicamente distanciado de um direito de resistência dos vulneráveis que já se consolidava, porquanto o golpe da república trouxe também o golpe contra o próprio direito natural, espoliado ao escambo de um código penal já em 1890, apenas um ano depois da expulsão do imperador.

A elite escravocrata ganhou ares de continuidade no fôlego positivista que estruturou a república – com a mesma base de objetivismo pseudolegalista – para sufocar violentamente dúzia de revoltas, rebeliões e revoluções que se sucederam. Há uma dívida escolar para com os mortos de Canudos, do Contestado e da Chibata, como exemplos.

A história do Brasil mostra um país absolutamente destituído de vocação democrática, naquilo que envolve a real participação popular na construção da nação, e cuida disto exatamente a inexistência de uma nação brasileira. A nação brasileira é uma ideia distante que sobrevoa – bem do alto – o emaranhado de leis escritas “em nome do povo”, mas que servem bem para privilegiar e perseguir.

A república seletiva do Brasil funciona bem como retrato da América Latina em seus descompassos democráticos, seja no predomínio da exploração do Estado (grande) como ferramenta exaustiva de opressão, seja na desqualificação do Estado (pequeno) como gerente das desigualdades sociais.

Não resta a menor dúvida que o direito positivo – dito “ex positis” na lei – é o grande e sofisticado mecanismo de êxito de uma elite abastada no país, aquela que reproduz ignorância política e recebe voto encabrestado até hoje.

O direito positivo é a grande farsa do século XXI na América Latina. Que se prove que ele – o direito positivo – deu-se a um honroso ombreamento histórico com o direito natural para dirimir as desigualdades sociais por estas bandas, senão para usar as cores da bandeira acobertando sangue dos verdadeiros heróis, tão ocultos e esquecidos em correntes quanto o hino que fala das margens de um rio.

 

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