CREPÚSCULO DA LEI – XX

O bode expiatório

Segundo a Bíblia, dois bodes eram escolhidos. Um deles era sacrificado no holocausto em louvor a Deus. O outro era o símbolo dos pecados do povo e sacrificado ao anjo caído, mas não com a morte, e sim com a vida, sendo deixado à própria sorte abandonado na natureza, no deserto (Levítico, 16: 1 -22). Este último bode era chamado de bode expiatório, vitimizado em nome dos pecados de todos.

O que seria o bode expiatório na sociedade moderna?

A resposta que se dará a seguir é baseada nos estudos de um antropólogo chamado René Girard e nela – na resposta – serão envolvidos dois entendimentos: vingança e mimetismo, ou imitação.

Pois bem. O desejo pelas coisas é imitado na sociedade. Ao final, todos se imitam e querem os mesmos bens e valores: imóveis, carros, celulares, florestas, ouro, petróleo etc. Evidentemente que, nesta lógica, o que ocorreria seria o caos de todos contra todos buscando a satisfação destes mesmos desejos, tão propagados e imitados.

Entretanto, o que seria a guerra de todos contra todos será transformado numa guerra de todos contra um através da vingança mimética, a vingança igualmente imitada. A sociedade escolhe um para ser punido – a vítima culpada – e mesmo não se sabendo ao certo se este escolhido é realmente culpado, a vingança será imitada e nela haverá uma concordância geral pelo sacrifício do escolhido em nome da pacificação social.

Vejamos o caso do apóstolo Pedro, líder apostólico de Cristo. Ele foi capaz de negar Jesus por três vezes. Se o fez por medo, ou não, certo é que imitou a multidão e, assim agindo, se entregou a ela no pedido de vingança contra o próprio cordeiro de Deus. De certa forma Pilatos também agiu seguindo mesmo princípios: imitou a multidão – mimetismo – e aderiu a ela na questão da vingança que a turba exigia contra aquele que se dizia o filho do Homem.

Sob esse aspecto, o bode expiatório na sociedade moderna é um escolhido, cujo sacrifício transformará o “todo contra todos” em “todos contra um”, conseguindo canalizar a vingança coletiva por imitação geral e gerando uma reconciliação necessária e oportuna.

Assim, no caso de um criminoso condenado há todo um simbolismo do “bode expiatório”. O bem jurídico que ele atacou ou tentou atacar é algo desejado pela sociedade. O ritual de sua condenação canaliza a vingança e, mesmo não se sabendo se ele é realmente culpado, todos vão agir por imitação na busca da vingança coletiva, sua condenação.

Neste contexto, o papel da condenação é apresentar à sociedade o bode expiatório ao sacrifício da pena em prol da paz e da reconciliação social, ainda que não se saiba ao certo de sua culpa. Aliás, o importante é a escolha do bode a ser vitimizado, independentemente de sê-lo culpado ou não.

Além disto, o bode expiatório será, ao mesmo tempo, demonizado e divinizado. Ele será demonizado como o portador dos desejos proibidos da sociedade, mas será divinizado porque, graças a ele, o objeto do seu desejo continuará sendo valorizado e desejado.

Finalmente, o bode expiatório na sociedade se exerce pelo ritual da condenação para apresentá-lo simbolicamente culpado. Isto mantém não só a vingança como também o mimetismo, tendo em vista que na religião, instância maior do bode expiatório da humanidade, há o imitável caso do sacrifício de uma vítima inocente, para reconfortar eventuais erros vindouros da vingança geral.

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