Atraso de salário de servidores públicos e direito à indenização por danos morais

Notoriamente e publicamente, desde fevereiro de 2016 o Estado de Minas Gerais vem pagando seus servidores públicos de forma escalonada, gerando verdadeiro caos na vida desses trabalhadores e seus familiares.

Se não bastasse o pagamento escalonado, o Estado de Minas Gerais vem postergando o pagamento do 13º salário desses mesmos servidores, aumentando ainda mais os problemas e transtornos.

Esses problemas, transtornos, dilemas, estresses, constrangimentos e as angústias são dos mais variados, impossíveis de serem citados neste pequeno artigo, mas, em grande escala, os servidores estão atrasando os pagamentos dos seus compromissos financeiros.

São despesas referentes a serviços essenciais como Cemig, Copasa e telefonia; despesas ordinárias, como aluguéis e mensalidade escolar; despesas extraordinárias como tratamento de saúde, impostos e empréstimos já assumidos; e, além de tudo, postergam compras de itens essenciais, como alimentação – dificilmente encontra-se um servidor em supermercado com carrinho cheio de produtos...

Os servidores estaduais, que hoje são mais de 617 mil, estão sendo obrigados a administrar o que dificilmente pode-se organizar, pois, as contas não esperam, têm datas certas, o que gera em muitos casos inadimplência, e, com isso, cobrança de juros, taxas e valores que antes sequer faziam parte do orçamento do servidor.

Conheço casos em que servidores estão pagando mais de 30% de seus rendimentos com cobrança de cheque especial, juros e taxas nas prestações de empréstimos. Inacreditável e totalmente impensável para os servidores públicos, que sonharam ingressar no serviço público justamente pela segurança (estabilidade) oferecida pelo cargo/função pública, pelo menos até então...

Esse escalonamento de salário e atraso do 13º salário de 2018, como era de esperar, estão gerando elevado índice de inadimplência. O pessoal do estado contribuiu para esse aumento, hoje são mais de 33,8% de devedores incluídos no SPC, dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC). A tendência é o aumento desse número, se o Estado não regularizar os pagamentos – e mesmo que o governo arrume a “casa”, os servidores terão grande tempo para arrumar seu “quintal”, acredito que muitos restaram endividados por anos.

Segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), em dezembro de 2018 mais de 62,6 milhões de brasileiros estavam com o nome no SPC, praticamente 41% da população adulta do país – grande parte desses números são os servidores públicos. 

Tenho conversado muito com servidores públicos e vejo que o desespero e a angústia são grandes, e, muitos já endividados estão recontratando novos empréstimos – quem iria pagar um contrato de 36 prestações, passa dever 90 meses – uma verdadeira bola de neve.

As restrições financeiras vividas pelos servidores e seus familiares geram discórdia entre filhos com pais (vice-versa), entre cônjuges, gerando até divórcios, pois, quando falta dinheiro para custear o padrão familiar e, sobretudo, o básico dentro da casa, os problemas ainda são maiores e dos mais variados.

As perguntas que ficam: e quanto aos deveres do Estado? De quem é a responsabilidade? Que direitos cercam o servidor público nessa situação?

O trabalhador celetista, ou seja, regido pela CLT, estipulado o trabalho mensal, tem o direito ao pagamento de salário até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido, §1º do artigo 459 da CLT.

Já o servidor público, estatutário, regido por estatutos, da mesma forma, tem o direito ao pagamento de salários até 5º dia do mês subsequente ao trabalho.

A responsabilidade quanto aos reflexos e danos gerados pelo atraso de pagamento cabe, respectivamente, ao empregador celetista e ao estatutário, esse último, o Estado de Minas Gerais.

A Justiça do Trabalho tem condenado os empregadores celetistas a pagar indenização por danos morais, no caso de reflexos e danos materiais e extrapatrimoniais gerados aos seus empregados, por atraso no pagamento de salário, sobretudo quando o nome do trabalhador é inserido no rol de devedores, SPC, Serasa, SCPC etc. – podemos citar alguns julgados 0000592-07.2017.5.12.0061, 0011256-20.2016.5.03.0179, 01342-2013-041-03-00-9,  00879-2011-028-03-00-0, 00243-2010-030-03-00-3,  03224-2009-063-03-00-6,  01176-2006-108-03-00-5.   

Tem o mesmo direito o servidor público? Entendo que sim. Isso porque o dever de pagamento de salário tem obrigação legal e caráter alimentar, ou seja, depois do trabalho executado, com o salário é que o servidor tem como arcar com suas despesas e obrigações mensais pessoais e de toda sua família.

Isso vale também para o 13º salário, uma vez que, é desse valor que muitos servidores públicos “salvam seu ano”, pagam suas contas acumuladas e atrasadas, como o salário mensal.

Assim sendo, o acúmulo de contas a pagar, a obrigação de fazer empréstimos e/ou refinanciamentos para pagar obrigações mensais, atrasos nas contas de serviços essenciais, dívidas ordinárias e extraordinárias geradas pela ausência ou atraso de pagamento, tudo isso, como sabemos gera insegurança, instabilidade, intranquilidade de espírito, estresse, angústia, abalo psicológico que fogem das agruras do dia a dia.

Antes que os defensores do Estado aleguem o endividamento público e notório para isentá-lo de suas obrigações legais, esse argumento não pode autorizar e avalizar a ilicitude, sob pena de banalizar as normas legais vigentes e o respeito de seus administrados e servidores públicos.

Eduardo Augusto Silva Teixeira

Advogado

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