As pernas e os o(ri)fícios da mentira

Domingos Sávio Calixto

 

CREPÚSCULO DA LEI – ANO III – CXLII

 

As pernas e os o(ri)fícios da mentira

 

Muito se tem explorado a figura de Loki, deus da trapaça na mitologia nórdica e tratado (equivocadamente) como irmão de Thor, tanto mais e com pleno êxito nas homenagens cinematográficas a ele dedicadas. Entretanto, a trapaça para os gregos era representada por outra divindade: o Dolo.

Antes de ser estudado em direito penal como elemento subjetivo dos tipos de crime, consignado no binômio da vontade mais conhecimento da ação, Dolo era uma divindade grega mediana da categoria dos “daemons”, cumpridores de mandos dos deuses maiores quando estes queriam infundir o engano e a trapaça entre os humanos. Essa situação perniciosa era uma atmosfera decepcionante tratada como “dolus malus”.

Pois bem. Ocorre que a Hefesto, deus artesão e escultor – responsável pela criação da própria Pandora, primeira mulher mortal – foi incumbido pelo próprio Zeus de produzir  Aleteia, uma divindade da verdade, aquela que seria mantenedora das palavras por sobre o esquecimento. Zeus depositava grande confiança em Hefesto, pois, além de Pandora, ele fora o responsável pela fabricação de égide, famoso escudo utilizado (por Zeus) na batalha contra os titãs.

Ora, eis que Hefesto se entregou à empreitada e, malfadadamente, fez do Dolo seu ajudante nas forjas. Sem embargo, era um trabalho que exigia disciplina e concentração, atributos quase sempre adversos do tempo exíguo, e como Dolo se apresentou sob o pretexto de aprendizado honroso, foi admitido na tarefa de ajudar Hefesto.

Todavia, com o tempo passando e castigando os pensamentos de Hefesto em preocupações para em tudo agradar a Zeus, foi ele a sair dali exigindo aos de fora um pouco mais de silêncio para o bom cumprimento do seu difícil mister. A algazarra externa tirava-lhe a concentração, claro.

Foi nesse curto espaço de ausência do mestre que Dolo fez jus à sua essência sorrateira e, atrevidamente, construiu uma estátua semelhante à Aleteia, aquela elaborada por Hefesto para se tornar “veritas”, a verdade. Seria exatamente igual não fossem as ineficazes e despreparadas mãos do Dolo ao não concluir as pernas do segundo artefato, tudo  ainda somado ao temor da chegada do mestre. E ele chegou.

Hefesto retornou e se deparou com as duas estátuas deveras semelhantes e, no afã de bem atender a Zeus, colocou ambas no forno do fogo sagrado. 

Assim, ambas conasceram e, em louvor a uma era de virtudes, buscaram caminhar juntas. Aleteia caminhava firmemente, altiva e esguia. Entretanto, a obra inacabada do Dolo pouco deu conta de um par de passos e caiu, desmoronou, demonstrando o malfeito das mãos inaptas do Dolo. 

Caído o subterfúgio, a cópia inacabada ficou conhecida como Pseudeia e tudo que vem dela retratado como pseudólogos, vale dizer, mentiras e falsidades tão somente. E ainda, como todo mito, a projeção marginal foi se alastrando e veio daí o “adágio” popular de que a “mentira tem pernas curtas”, alusivo aos poucos passos da infeliz réplica.

Entretanto, parece que Zeus se irritou para além do episódio do Dolo e do desmoronamento vergonhoso de Pseudeia. Quando se depara com mortais insistentes em dedicar altares a ela, ainda é tomado por grande cólera.

Um desses mortais dedicados ao culto dos pseudólogos chamou a atenção do raivoso Zeus por aqui, nestas terras de Xangô. Tanto fez o tal mortal para provocar a ira de Zeus que o castigo veio pelos orifícios. 

Tudo ocorreu assim: estava o mortal a dar entrevistas e, antes de proferir seus costumeiros pseudólogos, interferiu Zeus travando-lhe a cavidade oral e abrindo a cavidade anal do infeliz, fazendo dali sair uma sonora e quase infinita flatulência.

Evidentemente, não passou despercebido o episódio e as manchetes da nova ágora – Google – atestaram: “Presidente peida em entrevista ao vivo”. 

Zeus é muito vingativo.

 

 

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