A vergonha não é vermelha

Domingos Sávio Calixto - CREPÚSCULO DA LEI – XCVI

Nossa bandeira jamais será vermelha!” Tal já se disse e ouviu muito e tanto por aí, notadamente de vozes miméticas em coro perdido que buscam uma espécie de rogação anticomunista para afastar demônios marxistas, se possível enviando-os – todos eles – para Cuba.

Ocorre, data venia, que a bandeira brasileira deveria ser absurdamente vermelha não só por justas homenagens, mas também por histórico débito aos motivos que levaram o país a receber esse nome.

Apenas para ilustrar, veja-se a bandeira do Líbano. Trata-se de um pendão mundialmente conhecido por ostentar o glorioso cedro-do-líbano, árvore majestosa e imponente, conífera, não só marcante da região mediterrânea do Líbano, mas também encontrada na Síria, na Turquia e no Chipre. O cedro confere ao Líbano o respeito à ancestralidade marcada pela sua própria natureza.

Da mesma forma a bandeira do Canadá, pavilhão facilmente reconhecido pela folha de bordô, ou maple, como é também chamada. Foi escolhida por ser um símbolo do país que demarca a extensão grandiosa do solo canadense, reverenciada desde 1700 pela própria sociedade autóctone que habitava aquela terra.

Ora, e em se tratando do Brasil? Qual referência verdadeiramente nacional e originária é possível encontrar na bandeira brasileira senão as cores do colonizador-marido português (verde) que se casou com o colonizador-esposa austríaca (amarelo)?

Nada no pavilhão nacional, ou na bandeira, faz referência ao Paubrasilia echinata, o pau-brasil, mas é exatamente por causa dele que a maior nação da América do Sul, uma das maiores do mundo, recebeu este nome. É graças a esta árvore esplendorosa, que chega a ter 15 metros de altura, nativa em abundância na Mata Atlântica ao tempo da chegada das portuguesas que o Brasil é assim conhecido e reconhecido perante o mundo.

O pau-brasil é a árvore da cor vermelha, da tinta vermelha, chamada  “ibirapitanga” em tupi-guarani, ou seja, é a “árvore vermelha” que os colonizadores posteriormente apelidaram de “bersil”, em alusão semântica ao vermelho da brasa. Aliás, a imponente e marcante árvore nacional também era apelidada também de pau-de-tinta ou mesmo de pau-vermelho. O pau-brasil é o Brasil.

E, ainda, até mesmo quando se observa a bandeira do colonizador português verifica-se que boa parte dela é tomada pelo vermelho, escolhido pelos patrícios de Camões por simbolizar as conquistas dos navegadores, a força de seus marinheiros, a virilidade, a alegria e a esperança – isso mesmo – a esperança (!).

Até mesmo os heroicos inconfidentes de Vila Rica e do alferes Tiradentes se lembraram do vermelho para colorir o triângulo da Santíssima Trindade, adornando-o com versos tomados das Bucólicas do poeta Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.): “Libertas quae sera tamen respexit inertem”.

Portanto, antes de se repetir a esmo que “nossa bandeira jamais será vermelha (...)”, é bom refletir que o vermelho vai bem e muito mais além das pretensões comunistas. Talvez – e pelo eventual incômodo – fosse menos incorreto dizer que “nossa bandeira jamais será comunista!”, excluindo, assim, o vermelho de tantas vergonhas injustas, a menos que a plêiade gritante tenha mesmo é vergonha do próprio nome do Brasil.

 

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