A revolução não será televisionada

É preciso mentir para dizer a verdade?

Domingo Sávio Calixto 

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“NANOOK, o esquimó” (1922) é o primeiro longa-metragem documentário da história do cinema. Dirigido e escrito por Robert Flaherty é (?) considerado uma das películas antropológicas de todos os tempos.

Mas é uma farsa.

O documentário deveria ser o testemunho histórico do cotidiano dos esquimós, ou seja, dos “destemidos, amáveis e felizes” inughuits da Groenlândia, no qual a “personagem principal” seria o próprio Nanook, com sua esposa Nyla, vivendo em seu iglu e fazendo uso do seu arpão para a caça e sobrevivência. Mas não.

Ocorre que não existia “Nanook”. O “ator” se chamava de fato Allakariallak, bem como sua “esposa” não era esposa alguma. Sequer chamava-se Nyla, pois se tratava da “companheira” do próprio diretor.

O tal iglu foi construído especialmente para as filmagens e o esquimó ‒ que fazia uso normal de um rifle para caçar ‒ foi orientado a apresentar-se com um arpão. Tudo inventado.

Na realidade (?) foi uma invenção “suspensa no tempo”, talvez uma suspensão ideal para suprir a falsa modernidade de uma verdadeira modernidade.

Ao ser indagado e investigado, o diretor Flaerthy disse que “às vezes é preciso mentir... é preciso distorcer as coisas para se capturar delas seu verdadeiro espírito”. 

Se isto fosse dito em 2020 seria uma mentira, pois o documentário é de 1922, mas também seria uma verdade porque o ano de 2020 corresponde aos proclamas da mentira na sua mais falsa veracidade.

Afinal, toda luz é fraca demais para iluminar a realidade? Ou é possível representar a realidade física sem comprometê-la com “palavras escolhidas”?

Ora, se “Nanook” foi importante para a modernidade ser moderna, talvez a mentira seja necessária para a verdade ser verdadeira, e daí a necessidade de muitos modernos de 2020 estarem sempre mentindo, ou seja, para mostrar aos mentirosos que a verdade precisa deles. Daí muitos se habilitaram para essa empreitada libertadora.

Graças a essa tarefa de mentir é que muitos acordam felizes num palco construído por eles mesmos. É por causa da mentirosfera criada por gloriosos e intrépidos mentirosos que a natureza humana se vê conduzida em direção ao horizonte do nada, porque lá está tudo, e acima de qualquer coisa.

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