A oposição engata marcha

Carreatas contra o atual presidente mostram que começa a se esboçar em Divinópolis uma oposição não apenas eleitoral

Márcio Almeida Jr.

Um espectro ronda o campo progressista de Divinópolis: o espectro do silêncio. Partidos, organizações da sociedade civil, grupos e militantes partidários não conservadores têm estado calados na cidade pelo menos desde setembro de 2018, quando uma manifestação reuniu na Praça do Santuário eleitores de diferentes perfis que se declaravam contrários ao projeto político do então candidato Jair Bolsonaro. Desde aquele dia, uma única manifestação, feita em 23 de janeiro sob a liderança da vereadora Lohanna França, quebrou o silêncio político ao endossar o movimento nacional pelo impeachment do atual presidente. Agora, outra manifestação se articula para a manhã do próximo domingo, 21, sob o slogan “Fora Bolsonaro!”. 

Sou cético quanto às perspectivas de um impeachment ser bem-sucedido neste momento, embora o quadro possa vir a se modificar pelo andar da carruagem na economia e na saúde pública, potenciais focos de desgaste do governo durante a pandemia. Julgo, além disso, que a já fragilizada oposição a Bolsonaro, despedaçada na recente eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, precisa de um programa e não apenas de uma bandeira de impeachment. Tais ressalvas, entretanto, não me impedem de reconhecer a importância da realização de carreatas contra o atual governo em Divinópolis. Elas são úteis tanto para reagrupar os descontentes, hoje dispersos, quanto para oxigenar o processo democrático local, hoje silencioso.

Enquanto estratégia de mobilização, as carreatas “Fora Bolsonaro!” são úteis para aglutinar os progressistas, que obviamente se ressentem da falta de uma articulação em Divinópolis. Acredito que ela esteja faltando em razão de outra lacuna: a de líderes que se coloquem no debate público independentemente da disputa de cargos eleitorais. Nesse sentido, da organização da carreata programada para o domingo podem surgir uma ou mais lideranças que assumam no município o papel de catalisadores do pensamento progressista. Pelo que me informou uma de suas organizadoras, estão entre os articuladores da próxima carreata siglas conhecidas como PT, PC do B, Sindpetro-MG, Sind-Ute-MG, UEE, além de coletivos políticos de inspiração socialista. 

Enquanto tentativa de levar oxigênio ao debate político local, as carreatas são igualmente importantes. Levando em conta que o bolsonarismo, com sólida aceitação em alguns estratos da sociedade divinopolitana, é não apenas o movimento de apoio ao mandato do presidente, mas também uma forma de pensar e um conjunto de valores já delineados no mercado nacional de ideologias políticas, já passa da hora de os progressistas virem a campo para contrapor seu programa ao dos simpatizantes do credo político do presidente. É acanhada ‒ além de ineficaz ‒ a oposição feita apenas em período eleitoral. Portanto, o que se espera é que da carreata se desprenda um movimento capaz de propor uma discussão mais ampla e transparente de ideias.

Pensando no debate político, fundamental para a democracia, espero que a movimentação programada para domingo, na qual a esquerda é a ideologia dominante, inspire outros grupos da cada vez maior oposição ao bolsonarismo, entre eles os eleitores e entidades de centro e os que estão à direita democrática. Não é preciso ser especialista em política para deduzir que, sem a união desses grupos de insatisfeitos à esquerda e à direita, não será possível oferecer uma alternativa sólida à recandidatura do atual presidente nas eleições de 2022. Sem essa união, e presumindo que as coisas sigam como estão seguindo, não é difícil imaginar que, dividida e desnorteada por falta de agenda, a oposição vai de novo facilitar a vitória de Bolsonaro. É hora, pois, de agir.

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