A alma imoral

Guimarães Rosa relata todo tipo de recordação de Riobaldo, jagunço de tiradas filosóficas de grande perspicácia. Seu relacionamento afetivo com Diadorim assemelha-se, por vezes, ao de um casal: “Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor”.

A canção “Entre Tapas e Beijos” traduz uma dicotomia. Na prática, não se sabe se é falta de amor. Por certo que, em si, é. Mas o amor pode mesmo ser doentio, como ressalta a canção. Um misto às vezes de ódio e de morrer de amor por ela. Entre tapas e beijos, é ódio, é desejo, é sonho, é ternura, paixão.

Desde o começo do mundo que o homem sonha com a paz, canta Roberto Carlos. Desejamos paz e amor. São os nossos votos. Mas, sem o domínio do corpo e vice-versa, a alma é transgressora, perversa. Também o é a alma do mundo, que insiste em não viver em paz. Que se perdeu no labirinto dos pensamentos poluídos pela falta de amor. Nem é preciso abrir os olhos. Basta, de olhos fechados, ouvir os noticiários. Andam à solta os egoísmos instalados no fundo da alma humana.

“A Alma é Imoral” é o título de um livro do rabino Nilton Bonder, que trata de “um campo de batalha milenar onde o traído troca de lugar com o traidor, o santo com o marginal, o corpo com a alma”. Ouve-se falar em açoitar, flagelar, vergastar o corpo. Há quem faça penitência usando cilício, especialmente na quaresma. No filme “O Código da Vinci”, o objeto aparece como instrumento de automutilação. Não se fala em açoitar a alma. A tortura física não impede a reincidência. Às vezes, exacerba-a. Para emagrecer, não se há de começar pelo corpo. “Os maiores pecados para a moral”, repetindo Bonder, “não são as tentações do corpo, mas os pecados da alma”. Na verdade, o animal tem corpo e não consta que ele, animal, planeje guerra, invente armas de extermínio, fabrique instrumentos de tortura. Enfim, “anima corrupta”!

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