“Meu reino por um cavalo”

Domingos Sávio Calixto 

O perverso – e meio corcunda (escoliose idiopática) – monarca inglês Ricardo III, 32 anos, foi morto na batalha de Bosworth Field em 1485. Uma ferradura mal colocada, um escorregão do cavalo e a queda do rei, tudo então demarcando para os ingleses – ano do fim da idade média para eles – a ascensão ao trono de um novo soberano, Henrique Tudor, o conde de Richmond. 

A frase em questão – “Meu reino por um cavalo!” – foi imortalizada na peça de Shakespeare (1592), a qual leva o mesmo nome do autor: “Ricardo III”. Não se sabe ao certo do fim do cavalo de Ricardo, mas aqui no Brasil outro cavalo ganhou notoriedade bem recentemente, e note-se que o animal tem nome pomposo: Franco do Pec (!).

Franco do Pec é um valoroso reprodutor equino e que havia sido diagnosticado com uma tal doença de Mormo, zoonose infectocontagiosa transmissível, inclusive ao ser humano. Por conta disso, o animal estava fadado a ser “sacrificado”, ou seja, um caso fatídico de eutanásia.

Ocorre que o proprietário do animal mostrou-se inconformado com o triste desiderato e recorreu à justiça para impedir a morte do seu valioso quadrúpede – inclusive apresentando exames outros feitos na Alemanha. Eis assim que o Tribunal de Justiça de São Paulo (12ª Câmara) fez por conceder Habeas Corpus favorável à Franco do Pec, de tal sorte que o (agora) feliz proprietário pode levar consigo o corpo – com  vida – de Franco do Pec, reconhecidamente tratado como pessoa não humana.

Em um paradoxo (não menos) trágico, ocorreu que no dia 30 de junho do corrente ano, uma terça-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter preso um homem acusado de furtar dois frascos de shampoos, ao preço de dez reais cada. O autor, claro, não tem nome importante e a insignificância dos objetos não foi suficiente para sensibilizar a magistrada, de tal sorte que restou ao autor resignar-se como humano não pessoa.

Ora, é demonstrável em muitos casos nas cortes brasileiras que aflora certa rejeição ao princípio da insignificância, aquele que estabelece um direito penal devendo se ocupar do delito não apenas na concepção da violação da norma pura e simplesmente, mas numa efetiva lesão grave ao bem jurídico protegido, no caso aqui específico o patrimônio.

A alegação jurisprudencial quase sempre é certa “preocupação com a ordem pública”, projetada numa conclusão de que o autor oferece “risco à sociedade” (?).

Talvez fosse importante deixar claro, aliás, muito bem claro o que seria esse tal “risco à sociedade e à ordem pública”, posto ser facilmente possível elencar aqui algumas dezenas de autores – em atividade no cargo e na função pública – que estão por aí, oferecendo graves riscos à segurança e à ordem pública, inclusive com representações protocoladas no Tribunal Penal Internacional, em Haia.

Ora, fato é que realmente a classe baixa sofre em doses cavalares, e aí vem o nome de outro cavalo famoso chamado “Sansão”, do livro “A Revolução dos bichos”, de George Orwell (1945). Outra metáfora trágica numa leitura essencial e importante. 

[email protected]

 

Comentários